O Céu Tomado por Esforço - Thomas Watson
João Batista, estando no cárcere, ao ouvir a fama de Jesus, enviou-Lhe dois de seus discípulos com a seguinte pergunta: “És tu aquele que estava para vir ou havemos de esperar outro?” (Mt 11.3) Ao contrário do que Tertuliano imaginava, João Batista conhecia Jesus como o verdadeiro Messias, pois isto lhe havia sido confirmado tanto pela descida do Espírito de Deus quanto pelo sinal vindo do céu (Jo 1.33). Mas nesta ocasião João Batista se esforçou para corrigir a ignorância de seus próprios discípulos que tinham mais respeito por ele do que por Jesus.

Cristo respondeu esta pergunta, com as seguintes palavras: “Ide e anunciai a João o que estais ouvindo e vendo: os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos são purificados…” (Mt 11.4-5). Jesus demonstrou que Ele mesmo era o Messias, citando os milagres que eram provas genuínas e visíveis de sua divindade. Logo que os discípulos de João partiram, o Senhor Jesus começou a proferir um sublime elogio e recomendação a respeito de João Batista: “Que saístes a ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento?” (Mt 11.7) Era como se Cristo estivesse dizendo que João Batista não era um homem inconstante, cuja mente flutuava e oscilava (como um caniço agitado pelo vento) de uma opinião para outra. Não era um Rúben, inconstante como a água; era uma pessoa resoluta e determinada nas coisas espirituais. Mesmo a prisão não produziu qualquer mudança nele.

“Sim, que saístes a ver? Um homem vestido de roupas finas?” (Mt 11.8) João Batista não satisfez seus sentimentos naturais. Ele não vestia roupas finas, e sim peles de camelos. Tampouco desejou viver no palácio, e sim em um deserto (Mt 3.3,4).

Cristo também elogiou João Batista como seu precursor, que preparou o caminho diante dEle (Mt 11.10). Ele era a estrela da manhã que precedeu o Sol da Justiça. Cristo honrou com suficiência a João Batista, não somente ao equipará-lo, mas especialmente ao colocá-lo acima dos principais profetas — “Para que saístes? Para ver um profeta? Sim, eu vos digo, e muito mais que profeta” (Mt 11.9); “Entre os nascidos de mulher, ninguém apareceu maior do que João Batista” (Mt 11.11). Ele era eminente tanto em dignidade de ofício quanto em perspicácia na doutrina. E, logo em seguida, foram proferidas as palavras de nosso texto inicial: “Desde os dias de João Batista até agora, se faz violência ao reino dos céus, e pela força se apoderam dele” (Mt 11.12 - ARC).

Nestas palavras, consta um prefácio ou introdução: “Desde os dias de João Batista até agora”. João Batista era um pregador zeloso, um Boanerges, filho do trovão. E, após sua pregação, as pessoas começaram a ser despertadas de seus pecados.

Este fato nos ensina que tipo de ministério é aquele que promoverá o maior bem — o ministério que atinge as consciências dos homens. João Batista levantou sua voz como uma trombeta; pregou com poder a doutrina do arrependimento — “Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus” (Mt 3.2). Ele apareceu lançando o machado à raiz, denunciando os pecados dos homens, e, em seguida, proclamou-lhes Cristo. Primeiramente, ele passou o vinagre da lei e, em seguida, o vinho do evangelho. Esta foi a pregação que fez os homens procurarem com diligência os céus. João não pregava para agradar, e sim para abençoar. Ao invés de mostrar sua própria eloquência, ele preferiu revelar os pecados dos homens. O melhor espelho não é aquele que está mais iluminado, e sim aquele que mostra a verdadeira face da pessoa. A pregação que tem de ser preferida é aquela que manifesta com mais genuinidade os pecados dos homens e lhes revela seus próprios corações. João Batista era uma lâmpada que ardia e iluminava; ele ardia em sua doutrina e iluminava em sua vida. Por essa razão, os homens sentiam-se compelidos a procurar o reino dos céus. O apóstolo Pedro, que teve um abundante espírito de zelo, levou seus ouvintes a humilharem seus corações, por causa de seus pecados, e abriu-lhes uma fonte de salvação no sangue de Cristo. Eles foram compungidos em seus corações (At 2.37). Desfrutar de um ministério que perscruta a alma é a maior das misericórdias. Se uma pessoa estivesse com uma enfermidade crônica, desejaria que ela fosse examinada completamente. Que pessoas não ficariam contentes em ter suas almas perscrutadas, a ponto de serem salvas?

Nestas palavras, consta também o assunto do texto bíblico: “Se faz violência ao reino dos céus, e pela força se apoderam dele”.

O que significa a expressão “o reino dos céus”? Tal como Erasmo, alguns a interpretam como a doutrina do evangelho que revela Cristo e o céu. No entanto, eu a entendo no sentido de “glória”, assim como a interpretavam o erudito Beza e outros.

Ao reino dos céus “se faz violência”. A expressão é uma metáfora de uma cidade ou um castelo envolvidos em uma guerra e que não podem ser conquistados de modo algum, exceto se forem tomados de assalto. De modo semelhante, o reino dos céus não será tomado sem violência — “pela força se apoderam dele”.

A terra será herdada pelos mansos (Mt 5.5); o céu, pelos que batalham. A vida cristã é semelhante à vida militar. Cristo é nosso Capitão; o evangelho, nossa bandeira; as graças do Espírito, nossa artilharia espiritual. E o céu somente pode ser conquistado por meio da força.

Essa afirmativa tem dois aspectos: 1. O combate – “se faz violência”; 2. A conquista – “pela força se apoderam dele”. A maneira correta de apoderar-se do céu é tomá-lo de assalto; ou seja, ninguém vai ao céu, exceto os que batalham por ele.

A violência tem duplo aspecto.

1. Refere-se aos homens em posição de autoridade; eles têm de ser violentos:

1.1. Para punir a culpado. Quando o Urim e o Tumim de Arão não produzem qualquer benefício aos homens, então, Moisés tem de intervir utilizando seu cajado. Os ímpios são os indivíduos maus e dissolutos da sociedade que, por meio do cuidado da magistratura, precisam ser erradicados. Deus instituiu as autoridades para “castigo dos malfeitores” (1 Pe 2.14). Elas não devem comportar-se como o peixe-espada, que tem uma espada em sua cabeça, porém não tem sensibilidade. Os magistrados não devem ter uma espada em sua mão, se não têm nenhuma sensibilidade para sacá-la com o propósito de extirpar a impiedade.

A conivência do magistrado fomenta o pecado e, por não punir os malfeitores, o magistrado adota o erro de outros homens, tornando-os seus. A magistratura sem zelo é como o corpo sem o espírito. Excessiva indulgência estimula o pecado e afaga o rosto daquele que merece punição.

1.2. Em defender o inocente. O magistrado é o abrigo e o altar de refúgio onde o oprimido pode refugiar-se. Charles, o Duque da Calábria, amava tanto o fazer a justiça, que pendurou um sino no portão de seu palácio; e, sempre que alguém o balançasse, era imediatamente admitido à presença do duque ou algum de seus magistrados era enviado para ouvir a causa daquela pessoa. Aristides era famoso por sua justiça; os historiadores dizem que ele jamais favoreceria a causa de alguém, porque era seu amigo, ou faria injustiça a alguma pessoa por ser seu inimigo. A balança do magistrado é o escudo do homem oprimido.

2. A violência também se refere aos crentes. Embora o céu nos seja dado gratuitamente, temos de lutar por ele. “Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças” (Ec 9.10). Nossa tarefa é imensa; nosso tempo, curto; nosso Senhor, urgente. Por conseguinte, temos de reunir todas as forças de nossa alma e lutar, como se estivéssemos em uma questão de vida ou morte, para que alcancemos o reino celestial. Devemos manifestar não apenas diligência mas também violência. A fim de ilustrar e esclarecer esta proposição, mostrarei:

2.1. O que não significa “violência” nesta passagem bíblica. A violência nesta passagem exclui:

a) Uma violência sem entendimento, ser violento por aquilo que não entendemos. “Passando e observando os objetos de vosso culto, encontrei também um altar no qual está inscrito: Ao Deus Desconhecido” (At 17.23) — estes atenienses eram violentos em suas devoções; no entanto, poderia ser dito a respeito deles aquilo que Cristo declarou à mulher samaritana: “Vós adorais o que não conheceis” (Jo 4.22). Os católicos também são violentos em sua religião; isso é testemunhado por suas penitências, seus jejuns e sua atitude de dilacerarem a si mesmos, a ponto de derramarem sangue. No entanto, este é um zelo sem entendimento. O esforço deles é maior do que sua percepção espiritual. Quando Arão tinha de queimar incenso sobre o altar, deveria antes acender as lâmpadas do tabernáculo (Êx 25.7). Quando um zelo semelhante ao incenso arde em alguém, a lâmpada do conhecimento tem de estar acesa.

b) Exclui a violência física, que se manifesta em duas atitudes: primeiramente, quando uma pessoa chega ao ponto de impor severa aflição física sobre si mesma. O corpo é a habitação terrena em que Deus colocou nossa alma. Não podemos destruir esta habitação; temos de permanecer nela até que Deus, através da morte, nos faça deixá-la. O sentinela não deve abandonar seu posto sem a ordem de seu capitão; tampouco, devemos ter a ousadia de partir deste mundo sem a permissão de Deus. Nossos corpos são o templo do Espírito Santo (1 Co 6.19). Quando causamos aflição física ao nosso corpo, destruímos o templo de Deus. A lâmpada da vida deve queimar enquanto houver qualquer vigor natural, como o óleo, para alimentá-la.

Em segundo, quando alguém tira a vida de outrem. Existe muito deste tipo de violência em nossos dias. Nenhum outro pecado fala tão alto quanto este. “A voz do sangue de teu irmão clama da terra a mim” (Gn 4.10). Se existe maldição para aquele que fere “o seu próximo em oculto” (Dt 27.24), deve ser duplamente amaldiçoado aquele que o mata. Se um homem matasse involuntariamente outro ser humano, poderia entrar no santuário e refugiar-se no altar. No entanto, se ele o fizesse voluntariamente, a santidade do lugar não deveria lhe servir de proteção. “Se alguém vier maliciosamente contra o próximo, matando-o à traição, tirá-lo-ás até mesmo do meu altar, para que morra” (Êx 21.14). O rei Salomão mandou procurar Joabe (que era homem de sangue), para que o matassem, ainda que ele estava segurando as pontas do altar no templo (2 Rs 8.29). Antigamente, na Boêmia, o assassino tinha de ser decapitado e colocado no mesmo caixão em que estava o cadáver da pessoa que ele havia matado. Assim, vemos que tipo de violência o texto bíblico exclui.

2.2. O que significa “violência” nestas palavras de Jesus. Há um duplo significado.

a) Temos de ser violentos em favor da verdade. Citamos aqui a pergunta de Pilatos: “O que é a verdade?” A verdade é a bendita Palavra de Deus, chamada a Palavra da Verdade, ou seja, as dou- trinas que deduzimos da Palavra e com ela concordam, assim como a fotocópia corresponde 

exatamente ao original. Algumas destas doutrinas são a da Trindade, a da criação, a da graça gratuita, a da justificação pelo sangue de Cristo, a da regeneração, a da ressurreição dos mortos e a da vida na glória. Em favor destas verdades, temos de ser violentos, o que significa sermos advogados ou mártires delas.

A verdade é algo glorioso. A menor pepita deste ouro é preciosíssima. Em favor do que devemos nos mostrar violentos, senão em favor da verdade? A verdade é antiga; seus cabelos brancos a tornam venerável. Ela procede dAquele que é o Ancião de Dias. A verdade é inerrante; é a estrela que nos guia a Cristo. A verdade é pura (Sl 119.140). É comparada ao ouro refinado sete vezes (Sl 12.6). Não existe qualquer mácula na verdade; ela exala somente a santidade. A verdade é triunfante, como um grande conquistador; quando todos os seus inimigos jazem mortos, ela permanece no campo de batalha e ergue seu troféu de vitória. A verdade pode sofrer oposição, mas nunca será deposta. No tempo de Deocleciano, as coisas pareciam desesperadas, e a verdade estava em baixa. Logo em seguida vieram os anos dourados de Constantino; nessa ocasião, a verdade ergueu novamente sua cabeça. Quando as águas do rio Tâmisa estão em seu nível mais baixo, uma maré alta está prestes a surgir. Deus está ao lado da verdade, e, mesmo que não haja temor, ela prevalecerá. “Os céus, incendiados, serão desfeitos” (2 Pe 3.12), mas isso não acontecerá à verdade que vem dos céus (1 Pe 1.25).

A verdade tem efeitos nobres. É a semente do novo nascimento. Deus não nos regenera através de milagres e de revelações, e sim por meio da verdade (Tg 1.18). Assim como a verdade produz a graça divina no coração, assim também ela nutre esta graça (1 Tm 4.6). A verdade santifica — “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade” (Jo 17.17). A verdade é o selo que imprime em nós a marca de sua própria santidade. Ela é o espelho e o lavatório: um espelho que nos mostra as culpas e um lavatório onde podemos removê-las. A verdade nos liberta (Jo 18.32). Ela destroça as algemas do pecado e nos coloca na posição de filhos de Deus (Rm 8.11) e de reis (Ap 1.6). A verdade produz conforto, é um vinho que revigora. Quando a harpa e a lira de Davi não lhe puderam trazer consolo, a verdade o trouxe — “O que me consola na minha angústia é isto: que a tua palavra me vivifica” (Sl 109.50). A verdade é um antídoto contra o erro. O erro é o adultério da mente; envenena a alma, assim como o álcool polui o sangue. O erro condena tanto quanto o faz qualquer outro pecado. Uma pessoa tanto pode morrer por meio de assassinato, como por meio de envenenamento, mas que outra coisa pode aniquilar o erro, senão a verdade? O motivo por que muitos têm sido iludidos pelo erro é este: ou não conhecem, ou não amam a verdade. Não posso dizer o suficiente para honrar a verdade. A verdade é o fundamento fiel, o alicerce de nossa fé. A verdade é um modelo correto do verdadeiro cristianismo, mostrando-nos em que devemos crer. Se retirarmos a verdade, a nossa fé é simplesmente fantasia. A verdade é o melhor diamante na coroa da igreja. Não temos uma jóia mais preciosa do que nossas almas, para a confiarmos a Deus; e Ele não tem jóia mais preciosa do que suas verdades, para confiar a nós. A verdade é a insígnia de honra; ela nos distingue da falsa igreja, assim como a pureza distingue uma mulher virtuosa de uma prostituta. Em resumo, a verdade é o baluarte da Igreja, que é, a fortaleza de uma nação (2 Cr 11.17). As Escrituras afirmam que os levitas (que eram os porta-bandeiras da verdade) fortaleceram o reino. A verdade pode ser comparada ao Capitólio de Roma, que era o lugar de maior força, ou à Torre de Davi, em que “mil escudos” pendiam dela (Ct 4.4). Nossas fortalezas e navios não nos fortalecem tanto quanto a verdade. A verdade é o melhor arsenal bélico de um reino. Se abandonamos a verdade e desposamos o papismo, esvai-se toda a nossa fortaleza. Se não formos violentos em favor da verdade, em favor do que deveremos ser? Somos ordenados a batalhar, como se estivéssemos em agonia, “pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos”(Jd 1.3). Se a verdade for retirada de um povo evangélico, podemos escrever em seu epitáfio: “Foi-se a tua glória”.

b) Esta violência santa também se manifesta quando nos mostramos violentos em favor de nossa salvação — “Procurai, com diligência cada vez maior, confirmar a vossa vocação e eleição” (2 Pe 1.10). A palavra grega significa “cuidado zeloso”, ou seja, nutrir sérios pensamentos a respeito dos assuntos da eternidade; um cuidado que nos leva a colocar nossa mente e coração em atividade. Nesta vereda do cristianismo, todo crente zeloso deve andar.

O que está implícito nesta violência santa? Três coisas: 1. Resolução da vontade; 2. Vigor de afeições; 3. Intensidade de esforço.

(i) Resolução da vontade. “Jurei e confirmei o juramento de guardar os teus retos juízos” (Sl 119.106). Qualquer coisa que esteja no caminho que conduz ao céu (ainda que seja um leão), eu a enfrentarei à semelhança de um comandante resoluto que encarrega de uma missão todo o seu grupamento militar. Não importa o que venha a acontecer, o crente está decidido a possuir o céu. Onde houver este tipo de determinação, os perigos serão desprezados, as dificuldades, sobrepujadas, e os temores, menosprezados. Esta é a primeira atitude crucial na violência santa: resolução da vontade. Eu terei o céu, não importando o que possa me custar. Esta resolução tem de existir no poder de Cristo.

A resolução é como o impulso de uma bola de boliche que a leva velozmente para frente. A pessoa que manifestar pouca resolução, pouca vontade de ser salva e um pouco de determinação em continuar seguindo o pecado, é impossível que ela seja violenta em favor de obter o céu. Se um viajante não for resoluto, algumas vezes ele seguirá este caminho, outras vezes, aquele; ele não será violento em favor de coisa alguma.

(ii) Vigor de afeições. A vontade estende-se sobre o raciocínio. Se a razão estiver inteirada sobre a excelência do estado de glória e a vontade estiver resoluta em seguir na jornada para aquele lugar santo, as afeições as acompanharão e arderão em intensos anelos pelo céu. As afeições são coisas violentas — “A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo” (Sl 42.2). Os rabinos afirmam que, nesta passagem, Davi não disse “minha alma tem fome” e sim “tem sede”, porque naturalmente somos mais impacientes quando estamos com sede do que ao sentirmos fome. Devemos perceber quão rápida e violentamente as afeições de Davi moveram-se em direção a Deus. As afeições são como as asas de um pássaro que fazem a alma voar em busca da glória. Onde as afeições da alma forem estimuladas, haverá um impulso violento em direção ao céu.

(iii) Esta violência também implica em intensidade de esforço, quando nos esforçamos pela salvação, como se esta fosse uma questão de vida ou morte. É fácil falar sobre o céu, mas não é fácil alcançá-lo. Temos de, com todo cuidado, exercer todas as nossas forças e suplicar a ajuda de Deus para esta obra.

Uma última questão a ser respondida trata-se das quatro maneiras como o crente tem de demonstrar esta violência, ou seja:

em relação a si mesmo;

em relação ao mundo;

em relação a Satanás

e em relação aos céus.
Reforma Radical
A Regeneração - J. C. Ryle
“Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus”. (João 3: 3.)
A regeneração é um dos assuntos mais importantes de todos os tempos. As seguintes palavras do nosso Senhor Jesus Cristo a Nicodemos são muito sérias. “Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus”. (João 3: 3.) O mundo passou por muitas mudanças desde que essas palavras foram pronunciadas. Mil e oitocentos anos se passaram. Impérios e reinados surgiram e caíram. Grandes e sábios homens nasceram, trabalharam, escreveram e morreram. Mas ali está a lei do Senhor Jesus, que permanece inalterada. E assim continuará, mesmo que céus e terra passem: “Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus”.

Mas o assunto de hoje é de importância peculiar aos membros da Igreja da Inglaterra1.  Muitas coisas se passaram nos últimas anos, as quais chamaram para si uma atenção especial. A mente dos homens está cheia dela e seus olhos a fixam. A regeneração tem sido discutida nos jornais. A regeneração tem sido falada em sociedades privadas. A regeneração tem sido debatida nas cortes da lei. Certamente esse é o tempo em que todo verdadeiro clérigo deve examinar-se a si mesmo neste quesito, e ter certeza de que suas opiniões estão sólidas. É chegado o tempo em que não podemos nos balançar entre duas opiniões. Devemos conhecer o que defendemos. Devemos estar prontos para explicar nossas crenças. Quando a verdade é atacada, aqueles que a amam devem agarrá-la mais firmemente do que nunca.
Proponho nesse papel atentar para três questões:
I. Primeiro, explicar o que é Regeneração, ou o que nascer de novo significa. 
II. Segundo, apresentar a necessidade da Regeneração. 
III. Terceiro, expor os sinais e as evidências da Regeneração. 

Se conseguir esclarecer esses três pontos, terei prestado um grande serviço aos meus leitores. 

I. Primeiro, explicar o que é Regeneração, ou o que nascer de novo significa.
Regeneração é a mudança no coração e na natureza humanos pela qual um homem passa quando ele se torna um verdadeiro cristão. 

Não há dúvida alguma de que existe uma imensa diferença entre aqueles que professam e os que se autointitulam cristãos. Por trás de toda disputa, existem sempre duas classes de cristãos aparentes: 
os que são cristão apenas no nome e na forma e os que são cristãos em obras e em verdade. Nem todos os judeus eram realmente judeus, assim como nem todos os cristãos são realmente cristãos. “Na igreja manifesta”, afirma um artigo da Igreja da Inglaterra, “o mau estará sempre misturado ao bom". 

Alguns, como o Artigo 39 declara, são “ruins e estão isentos de uma fé viva", outros, ainda conforme o artigo diz, são feitos conforme a imagem do único filho de Deus, Jesus Cristo, e caminham corretamente em boas obras. Alguns adoram a Deus de forma pífia, outros O fazem em espírito e em verdade. Alguns dão seu coração a Deus, outros o dão ao mundo. Alguns acreditam na Bíblia e vivem conforme suas ordenanças, outros, não. Alguns pecam e condoem-se por isso, outros, não. Alguns amam o Cristo, confiam nEle e servem-nO, outros, não. Resumindo, como pregam as Escrituras, alguns andam pelo caminho estreito, outros, pelo largo; alguns são os bons peixes da rede do Evangelho, outros, os ruins; alguns são o 
trigo no campo de Cristo, outros, o joio.

Acredito que homem algum, estando ele com os olhos bem abertos, deixará de enxergar isso, tanto na Bíblia quanto no mundo que o rodeia.  Seja lá o que ele pense sobre o assunto que escrevo, ele não pode simplesmente negar que existe uma diferença.  

Agora, qual é a explicação dessa diferença? Respondo sem hesitar: regeneração ou nascer de novo. Respondo que verdadeiros cristãos são como são porque foram regenerados, e cristãos formais são como são porque não são regenerados.  O coração do cristão foi verdadeiramente mudado.  Já o coração do cristão apenas no nome, não sofreu alterações. A mudança no coração faz toda a diferença.

Tal mudança no coração é continuamente relatada na Bíblia, sob vários emblemas e figuras.  

Ezequiel identifica-a por "tirarei da sua carne o coração de pedra e lhes darei coração de carne” e "dar-vos-ei coração novo e porei dentro de vós espírito novo." (Ezequiel 11:19; 36:26.). 

O apóstolo João algumas vezes a chama por “nascido de Deus”, outras vezes por “nascido de novo" e, ainda, por "nascido pelo Espírito" (Jo 1:13, 3:3,6.). 

O apóstolo Pedro, em Atos, chama de “arrependei-vos e converteivos.” (At 3:19.). 

A epístola aos Romanos fala sobre ela como sendo “ressurretos dentre os mortos." (Rm 6: 13.). 

A segunda epístola aos Coríntios chama de “nova criatura:  as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas.” (2 Co 5: 17.). 

A epístola dos Efésios fala sobre ela como a ressurreição juntamente com Cristo:  “Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados” (Ef 2: 1); como “despojeis do velho homem, que se corrompe, e vos renoveis no espírito do vosso entendimento, e vos revistais do novo homem, criado segundo Deus, em justiça e retidão procedentes da verdade” (Ef. 4: 22, 24.). 

A epístola dos Colossenses chama por “uma vez que vos despistes do velho homem com os seus feitos; e vos revestistes do novo homem que se refaz para o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou” (Cl 3: 9, 10.). 

A epístola de Tito chama de “o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo.” (Tt 3: 5.). 

A primeira epístola de Pedro fala sobre isso como “daquele que vos chamou das trevas para sua maravilhosa luz.” (I Pe 2: 9.). 

E a segunda epístola, como “coparticipantes da natureza divina” (II Pe 1: 4.). 

A primeira epístola de João chama por “passamos da morte para a vida.” (I Jo 3: 14.). 

Todas essas expressões, no final, significam a mesma coisa.  Elas todas são a mesma verdade, apenas vistas de lados diferentes.  E todas têm o mesmo e único significado.  Elas descrevem a mudança radical do coração e da natureza humana – uma perfeita mudança e transformação do interior humano - uma participação na ressurreta vida de Cristo; ou, tomando emprestadas as palavras do Catecismo da Igreja da Inglaterra, "Uma morte para o pecado e um novo nascimento para a retidão."

Essa mudança no coração do verdadeiro cristão é perfeita e completa, tão completa que nenhuma outra palavra se encaixaria tão perfeitamente do que "regeneração” ou “novo nascimento”.  Sem dúvida alguma não é nenhuma alteração corporal, externa, mas, indubitavelmente, uma alteração por completo no interior humano.  Ela não adiciona nenhuma outra faculdade mental ao homem, mas certamente dá uma nova disposição e inclinação às capacidades que ele já possui. Seu querer é tão novo, seu gosto é novo, suas opiniões são novas, sua forma de ver o pecado, o mundo, a Bíblia, o Cristo é tão nova, que ele se torna um novo homem em todas as suas intenções e propósitos. Tal mudança faz surgir um novo ser. Pode muito 
bem ser chamado de “nascido de novo”. 

Essa mudança não é sempre dada aos cristãos ao mesmo tempo em que se convertem.  Alguns nascem de novo ainda crianças e parecem, assim como Jeremias e João Batista, preenchidos com o Espírito Santo já 
desde o ventre de suas mães.  Alguns nascem de novo numa idade mais avançada.  A maior parte dos Cristãos provavelmente nasce de novo depois que crescem. Já a vasta multidão de pessoas, e isso é de 
recear, chega à cova sem nem mesmo ter nascido de novo.  

Essa mudança no coração nem sempre começa da mesma forma naqueles que passam pelo novo nascimento depois que crescem. Com alguns, como o apóstolo Paulo e o carcereiro em Filipo, foi uma 
mudança súbita e violenta, ocorrida com grande aflição de espírito. 
Com outros, como Lídia e Tiatira, foi mais suave e gradual: seus invernos tonaram-se primavera de forma quase imperceptível por elas. Com alguns a mudança é trazida pelo Espírito trabalhando através de aflições e visitas providenciais. Com outros, e provavelmente aqui se encontra o grande número de verdadeiros cristãos, a Palavra de Deus, pregada ou escrita, é o meio pelo qual são influenciados.

Essa mudança só pode ser conhecida e discernida pelos seus frutos. Seus começos são algo escondido e secreto. Não podemos vê-los. Nosso Senhor Jesus Cristo nos diz da forma mais clara: “O vento sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo o que é nascido do Espírito” (João 3: 8.) Saberíamos se estivéssemos regenerados? Devemos tentar responder à questão examinando o que sabemos sobre os efeitos da regeneração. Esses efeitos são sempre os mesmos. Os caminhos pelos quais verdadeiros cristãos são levados, passando por grandes mudanças, certamente são 
vários. Mas o estado do coração e da alma para o qual eles são levados é sempre o mesmo. Pergunte-os o que eles acham sobre o pecado, Cristo, santidade, o mundo, a Bíblia e a oração e você os verá como uma única mente. 

Essa mudança nenhum homem pode dar a si mesmo ou a outro.  Isso seria tão razoável quanto esperar que os mortos se levantassem ou pedir para que um artista desse vida a uma estátua de mármore. Os filhos de Deus "não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus.” (Jo 1:13). Algumas vezes a mudança é designada por Deus, o Pai: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, segundo a sua muita misericórdia, nos regenerou para uma viva esperança." (I Pe 1:3). Algumas vezes atribuída a Deus, o Filho: “O Filho vivifica aqueles que (Ele) quer.” (Jo 5: 21.) “Se sabeis 
que ele é justo, reconhecei também que todo aquele que pratica a justiça é nascido dEle.” (I Jo 2: 29.) Algumas vezes é atribuída ao Espírito Santo, e Ele é, verdadeiramente, o grande agente pelo qual ela é sempre efetuada: “O que é nascido do Espírito, é espírito.” (Jo : 6.) Mas o homem não tem poder algum para trabalhar na mudança. Algumas vezes ela está longe, muito longe de seu alcance. “A condição do 
homem depois da queda de Adão,” diz o décimo artigo da Igreja da Inglaterra, "é tamanha que ele não pode mudar-se a si mesmo pela sua própria força e trabalho, mas pela fé e clamando por Deus”.  
Nenhum ministro na terra pode dar graça a alguém de sua congregação pelo seu próprio juízo.  Ele pode pregar tão verdadeiramente e fielmente quanto Paulo e Apolo, mas de Deus “veio o crescimento" (I Co 3: 6.) Ele pode batizar com água no nome da Trindade, mas a não ser que o Santo Espírito acompanhe e abençoe a ordenação, não haverá morte para o pecado, tampouco nascimento para a retidão. Apenas Jesus, a Cabeça da Igreja, pode batizar com o Espírito Santo. Abençoados e felizes são aqueles que têm tanto o batismo interno quanto o externo.

Acredito que o relato precedente da Regeneração seja bíblico e correto. É essa mudança de coração que distingue a marca de um verdadeiro cristão, a companhia invariável de uma fé justificada em Cristo, a inseparável consequência de uma união vital com Ele e a raiz e o princípio de uma santificação do corpo. Peço a meus leitores que ponderem bem antes de irem mais além. É de extrema importância que nossas visões estejam claras nesse ponto, sobre o que a regeneração verdadeiramente é. 

Eu sei bem que muitos não permitirão que a Regeneração seja aquilo que eu acabei de descrever.  Eles dirão que a sentença que acabei de dar é, por definição, muito forte.  Alguns defendem que Regeneração significa apenas o acesso a um estado de privilégios eclesiásticos ao tornar-se membro da igreja, mas que não significa uma mudança no coração.  Alguns nos dizem que um homem regenerado tem certo poder dentro dele que o permite arrepender-se e acredita que seus pensamentos se encaixam, mas que ainda precisa de uma mudança mais ampla a fim de tornar-se um verdadeiro cristão.  
Alguns dizem que há diferença entre regeneração e nascer de novo.  
Outros dizem que há diferença entre nascer de novo e conversão.  

A tudo isso, tenho uma simples resposta, ei-la: não consigo encontrar tal forma de regeneração falada em qualquer lugar da Bíblia. A regeneração que significa apenas admissão a um estado de privilégio eclesiástico pode ser antigo e primitivo, pelo que eu saiba. Mas algo mais do que isso é preciso. Alguns textos claros da Escritura são necessários, e tais textos ainda precisam ser encontrados. 

Essa noção de regeneração é completamente inconsistente com o que João nos dá em sua primeira epístola. Ela torna necessária a invenção de uma teoria ineficaz de que existem duas regenerações, e é altamente calculada com o intuito de confundir as mentes de pessoas sem conhecimento e introduzir falsas doutrinas. É um conceito que parece não corresponder a solenidade com a qual nosso Senhor introduz o assunto a Nicodemos. Quando Ele disse “Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus”, Ele quis se referir que não poder ver o reino de Deus o que não é admitido para um estado de privilégio eclesiástico? Certamente Ele quis dizer muito mais do que isso. Tal espécie de regeneração um homem pode ter, como Simão, o Mago, e, mesmo assim, nunca ser salvo. Essa regeneração ladrão arrependido jamais poderia ter sentido ou experimento, mas mesmo assim, se acha ao Reino de Deus. Com certeza Ele quis dizer uma mudança de coração. Quanto à ideia de que existe alguma distinção entre ser regenerado e ser nascido de novo, essa não terá investigação. É de senso comum entre todos os que conhecem grego, que essas duas expressões significam a mesma coisa. 

Para mim, realmente, parece existir muitos conflitos de ideias e apreensões indistintas na mente humana quanto a essa questão - o que a regeneração realmente é - e todas surgindo simplesmente por não aderirem à Palavra de Deus. Que um homem é admitido a um estado de grande privilégio quando ele se torna membro de uma pura Igreja de Cristo, isso eu não nego em momento algum. Que sua alma está numa posição muito melhor e bem mais vantajosa do que se não pertencesse à igreja, isso eu nem sequer questiono. Que uma larga porta foi aberta perante sua alma, a qual não é posta diante do pagão, isso eu posso claramente ver. Mas em momento algum vejo a Bíblia nomeando esse acontecimento como Regeneração. E não encontro um único texto na Escritura que autorize tal suposição. É muito importante na teologia distinguir as coisas que se diferem. Os privilégios na Igreja são uma coisa; a Regeneração, outra. Quanto a mim, não ouso confundi-las.

Estou bem ciente de que grandes e bons homens tem se agarrado a essa baixa visão da Regeneração advertida por mim.8 Mas quando a doutrina do eterno Evangelho está em jogo, não posso chamar nenhum homem de mestre. As palavras do velho filósofo nunca devem ser esquecidas: “Eu amo Platão, eu amo Sócrates, mas amo a verdade mais do que a ambos”. Digo sem hesitar que aqueles que defendem a visão de que existem duas regenerações, não são capazes de trazer nenhum texto claro que comprove isso. Acredito firmemente que nenhum leitor da Bíblia jamais encontraria esse ponto de vista; e isso me é suficiente para suspeitar de que essa é uma ideia da cabeça humana. A única regeneração que vejo nas escrituras não é uma mudança de estado, mas de coração. Essa é a visão, mais uma vez afirmo, que o Catecismo da Igreja prega quando fala de “morte para o pecado e novo nascimento para a retidão”, e é nessa visão que eu acredito. 

A doutrina diante de nós é de vital importância.  Não é problema de nomes, palavras ou formas sobre o que escrevo.  Se seremos salvos, isso é algo que devemos sentir e saber por experiência, cada um por si só. Tentemos nos familiarizar com isso. Não deixemos que o rumor e a fumaça da controvérsia desvie nossa atenção de nossos corações.  Nossos corações estão mudados? É um trabalho difícil discutir, argumentar e disputar sobre regeneração se, no final, não sabemos nada sobre ela. 

II. Deixe-me mostrar, em segundo lugar, a necessidade que temos em ser regeneradores ou nascidos de novo. 

Essa necessidade fica mais clara através das palavras do nosso Senhor Jesus Cristo, no terceiro capítulo do evangelho de João. Nada pode ser mais claro e positivo do que o que Ele fala a Nicodemos: 
“Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus”. “Não te admires de eu te dizer: importa-vos nascer de novo" (Jo: 3: 3, 7.) 

As razões para essa necessidade são o pecado e a corrupção excessiva de nossos corações primitivos. As palavras de Paulo aos Coríntios são perfeitas: “Ora, o homem natural não aceita as cousas do Espírito 
de Deus, porque lhe são loucura” (I Co 2: 14.) Assim como os rios correm para a foz, faíscas voam pelos céus e pedras caem no chão, assim o coração do homem naturalmente se inclina para o mal. Amamos os inimigos de nossas almas e odiamos os amigos delas. Nós chamamos o bem de mau e o mau de bom. Regozijamo-nos no pecado, mas não vemos prazer algum em Cristo. Não apenas cometemos pecado, mas também o amamos. Não precisamos somente limpar-nos da culpa do pecado, mas também precisamos ser libertos de seu poder. O tom natural, o preconceito e a correnteza de nossas mentes devem ser completamente alterados. A imagem de Deus, que foi manchada pelo pecado, deve ser restaurada. A desordem e a confusão que reina em nós devem ser posta de lado. As primeiras coisas já não devem mais ser as últimas, nem as últimas as primeiras. O Espírito deve deixar entrar a luz em nossos corações, colocar 
tudo em seu devido lugar e criar coisas novas. 

Sempre deve ser lembrado que existem duas coisas distintas que o Senhor Jesus Cristo faz para todo pecador salvo por Ele. Ele o lava de todos os seus pecados com o Seu próprio sangue e dá o perdão de graça: isso é justificação. Ele coloca o Espírito Santo no seu coração e faz dele uma pessoa completamente nova: isso é regeneração. 

Ambas são absolutamente necessárias para a salvação. A mudança de coração é tão necessária quanto o perdão; e o perdão é tão necessário quanto a mudança de coração. Sem o perdão, não temos nem o 
direito nem o título para irmos ao céu. Sem a mudança, não deveríamos estar reunidos nem prontos para desfrutar do céu, mesmo se chegarmos nele. 

Regeneração e justificação nunca andam separadas.  Nunca são encontradas isoladas.  Todo homem justificado também é regenerado, e todo homem regenerado é justificado.  Quando o Senhor Jesus Cristo dá ao homem remissão dos pecados, Ele também dá arrependimento.  Quando Ele concede paz com Deus, Ele também concede "poder para se tornar filho de Deus”.  Existem duas grandes máximas do glorioso Evangelho que nunca devem ser esquecidas.  Uma é:  
“Quem crer e for batizado será salvo” (Mc 16: 16.), a outra: “E, se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dEle” (Rm 8: 9.) 

O homem que nega a necessidade universal da regeneração sabe pouquíssimo sobre a corrupção do coração.  Aquele que fantasia que o perdão é tudo o que precisamos para chegarmos ao céu, e não vê que o perdão sem a mudança de coração é um presente inútil, é um cego.  Bendito seja Deus, pois ambos nos são oferecidos gratuitamente pelo Evangelho de Cristo e porque Jesus está apto e disposto a nos dar tanto um, quanto outro! 

 A grande maioria das pessoas no mundo não vêem nada, não sentem nada e não sabem nada de religião como deveriam.  Como e por que isso ocorre, não é a presente questão.  Apenas a coloco no consciente de 
cada leitor deste volume. Não é isso verdade?  

Diga-lhes sobre o pecado em muitas ações que eles praticam continuamente, e o que é geralmente a resposta? "Eles não vêem mal algum". 

Avise-os sobre o grande perigo pelo qual suas almas passam, o pouco tempo que tem, a proximidade da eternidade, a incerteza da vida, a realidade do julgamento. Eles não sentem medo. 

Pregue-lhes sobre a necessidade de um Salvador poderoso, amoroso e divino e sobre a impossibilidade de serem salvos do inferno, exceto pela fé nEle. Tudo cai de pisado e morto em seus ouvidos. Eles não veem tamanha barreira entre eles e o céu. 

Fale sobre a santidade e o alto padrão de vida que a Bíblia exige.  
Eles não conseguem compreender a necessidade de tamanho rigor.  
Eles não veem utilidade em ser tão bom.  

Existem milhares e milhares de pessoas assim em cada um de nossos lados. Eles escutarão tudo isso durante toda sua vida. Eles irão até mesmo participar do ministério dos melhores pregadores e escutar aos apelos mais poderosos às suas consciências. E, ainda assim, quando você for visitá-los em seu leito de morte, eles serão como homens e mulheres que nunca escutaram essas coisas. Eles não conhecem nada sobre as principais doutrinas do evangelho por experiência. Elas não conseguem apresentar razão alguma para sua própria esperança. 

E por qual motivo tudo isso? Qual a explicação? Qual é a causa de tamanho estado? Tudo isso vem do fato de que, naturalmente, o homem não tem senso espiritual algum sobre as coisas. Em vão o sol da retidão brilha perante ele: os olhos de sua mente estão cegos, não podem ver. Em vão a música de Cristo convidando-o toca  ao redor dele: os ouvidos de sua alma estão surdos, não podem escutar. Em vão a ira de Deus contra o pecado é levantada: as percepções de sua alma estão paralisadas, como o viajante que dorme e não percebe a tempestade chegando. Em vão o pão e a água da vida são oferecidos a Ele: sua alma não está com fome para o pão e nem com sede para a água. Em vão ele é advertido escapar para o Grande Médico: sua alma está inconsciente dessa doença: por que ele deveria ir? Em vão você lhe dá uma quantia para que compre sabedoria: a mente de sua alma vagueia. Ele é como um lunático, que chama palha de coroa e poeira de diamantes. Ele diz "eu sou rico e tenho propriedades, não preciso de mais nada”.  Não há nada mais triste do que a tamanha corrupção de nossa natureza! Não há nada tão doloroso quanto a anatomia de uma alma morta. 

Agora, do que um homem assim precisa? Ele precisa nascer de novo e ser feito nova criatura. Ele precisa deixar completamente de lado o velho homem e transformar-se em novo. Não vivemos nossa vida terrena até nascermos para o mundo e não vivemos nossa vida espiritual até nascermos para o Espírito. 

Devemos estar cientes de que a grande maioria das pessoas estão incapacitadas de se alegrarem com o céu em seu presente estado.  Eu caracterizo isso como sendo um grande fato.  Não o é? 

Olhe a quantidade de homens e mulheres reunida em nossas cidades e observe-os.  São todas criaturas mortas, seres imortais, caminhando em direção ao julgamento de Cristo, indo certamente morar ou no céu ou no inferno.  Mas onde está a mais insignificante evidência de que a maioria delas está minimamente qualificada para esse encontro no julgamento e preparadas para o céu?   

Olhe para a melhor parte daqueles que são chamados cristãos, em qualquer lugar da terra. Pegue qualquer paróquia que quiser, não importa a cidade ou o país. Pegue aquela que você conhece melhor. 
Quais os gostos e prazeres da maioria das pessoas que moram lá? 
Do que elas gostam mais quando tem uma escolha? O que elas desfrutam mais quando tem a chance de optar? Observe a forma com que elas vivem seus domingos.  Perceba o ínfimo prazer que sentem ao ler a Bíblia ou ao orarem.  Perceba as noções baixas e terrenas de prazer e alegria que prevalecem em todo lugar, seja entre jovens ou idosos, ricos ou pobres.  Marque bem esses pontos e, então, reflita sobre essa questão: “O que essas pessoas fariam no céu?” 

Você e eu, poderíamos dizer, sabemos pouco sobre o céu. Nossas noções de céu podem ser turvas e indistintas. Mas, de qualquer forma, acredito que concordamos em dizer que o céu é um lugar santo, porque Deus está lá, Cristo está lá e os santos e os anjos estão lá, porque o pecado não se faz presente de forma alguma e porque nada é dito, pensado ou feito se Deus não o permitir. Tome isto por certo, e então não haverá dúvidas de que a grande maioria das pessoas ao nosso redor está tão adequada a ir para o céu quanto um pássaro está para nadar no oceano, ou um peixe para viver sob a terra seca.

E o que eles precisam para estarem aptos a se regozijarem no céu? 
Eles precisam ser regenerados e nascidos de novo.  Não é uma mudança boba nem uma reforma externa que é exigida.  Não é meramente limitar paixões ferozes ou aquiescer afeições incontroláveis.  
Isso não é suficiente. Idade avançada, o desejo por uma oportunidade de indulgência e o medo humano podem causar tudo isso. O tigre continua tigre, mesmo quando é preso, e a serpente continua serpente, mesmo quando ela está imóvel e enrolada. A alteração necessária está muito mais distante e é bem mais profunda. Todos devem ter uma nova natureza em seu interior, todos devem ser feitos nova criatura, a nascente deve ser purificada, a raiz deve ser endireitada, todos requerem de um novo coração e uma nova vontade. A mudança requerida não é a da cobra, quando ela deixa sua pele e, mesmo assim, permanece um réptil; mas sim a mudança da larva quando ela morre e sua vida termina, porém do seu corpo uma borboleta se levanta. Um novo animal, uma nova natureza. 

Tudo isso e nada menos é exigido.  Bem fala a Homilia das Boas Obras10:  “Estão tão mortos para Deus os que não tem fé, como estão para o mundo os que não tem alma”. 

A verdade é que a vasta quantidade de cristãos professos no mundo não tem nada de Cristianismo, a não ser o próprio nome. A realidade do Cristianismo, a graça, a experiência, a fé, a esperança, a vida, o conflito, os gostos, a ânsia pela retidão, tudo isso são coisas que eles não tem um mínimo de conhecimento. Eles precisam ser convertidos tanto quanto os gentios a quem Paulo pregou, dissuadidos dos ídolos e renovados os espíritos de suas mentes verdadeiramente, se não literalmente. E uma parte principal da mensagem que 
deve ser continuamente falada a todas as congregações da terra é: “Precisais nascer de novo”. Escrevo isso deliberadamente. Sei que soará terrível e descaridoso a muitos ouvidos. Mas peço a qualquer pessoa que coloque o Novo Testamento em mãos e veja o que ele afirma sobre o cristianismo. Compare às formas de cristãos professos existentes e, aí, negue a verdade que escrevo agora, caso possa. 

Agora, que todos os que leem essas páginas se lembrem do grande princípio da religião bíblica:  “Não há salvação sem regeneração, não há vida espiritual sem um novo nascimento e não existe céu sem um novo 
coração”.  

Não pensemos em momento algum que o objetivo desse texto é meramente questão de controvérsia, uma questão vazia a ser discutida por homens sábios, mas nada que nos importe realmente. Ela nos concerne profundamente, toca nossos próprios interesses eternos, é algo que precisamos saber por nós mesmos, sentir por nós mesmos, experimentar por nós mesmos, se formos realmente salvos. Nenhuma alma humana, seja ela de homem, mulher ou criança, entrará no céu sem que seja nascida de novo.

E não pensemos em momento algum que essa regeneração é uma mudança pela qual pessoas podem passar depois que já estão mortas, se nem sequer terem passado por ela quando estavam vivas. Tal ideia é um absurdo. Aqui e agora é o único momento para ser salvo. 
Agora, nesse mundo de labuta e trabalho, de ganhar dinheiro e negócios. Se tivermos que nos preparar para o céu, agora é o momento.  Agora é o momento para ser justificado, para ser santificado e para ser nascido de novo.  Tão certo quanto a Bíblia é a verdade, o homem que morre sem essas três coisas se erguerá novamente apenas no dia final, quando será jogado no fogo por toda a eternidade.  

Podemos ser salvos e alcançar o céu sem muitas coisas que consideramos de grande importância: sem riquezas, aprendizado, livros, confortos mundanos, saúde, casa, terras e amigos, mas sem a regeneração, nunca seremos salvos. Sem nosso nascimento na terra, nunca teríamos vivido, mudado e lido essas páginas: sem o novo nascimento, jamais viveremos e nos mudaremos para o céu. Queira Deus que haverá mais santos na glória do que homem algum pode sequer imaginar. Eu me conforto com o pensamento de que, apesar de tudo, haverá muitas pessoas no céu. Mas de uma coisa tenho certeza, e estou persuadido pela Palavra de Deus, de que de todos os que alcançarem o céu, não haverá um único ser que não tenha sido nascido de novo.

III. Deixe-me, em terceiro lugar, apontar as marcas de um regenerado ou nascido de novo. 

É muito importante termos visões claras e distintas sobre o assunto que tratamos. Vimos o que é a regeneração e o porquê de sua necessidade para a salvação. O próximo passo é encontrar os sinais e 
evidências pelos quais um homem pode saber se ele é nascido de novo ou não, se o seu coração foi mudado pelo Espírito Santo ou se sua mudança ainda está por vir. 

Esses sinais estão claramente expostos para todos nós nas Escrituras.  Deus não nos deixou sem poder de conhecimento quanto a essa questão. Ele previu que muitos se torturariam com dúvidas e questionamentos e nunca acreditariam que estavam indo bem com suas almas. Ele previu que outros tomariam por certo o fato de serem regenerados, mas que não tinham direito algum a tamanha certeza. Ele, então, com sua infinita misericórdia, providenciou-nos teste de aferição de nossas condições espirituais, na primeira epístola de João. Lá ele escreveu para que aprendêssemos o significado de homem regenerado e quais são suas ações, seus caminhos, seus hábitos, sua forma de viver a vida, sua fé, suas experiências. Todos os que desejam possuir a chave para um correto entendimento do assunto deveriam estudar toda a Primeira Epístola de João. 

Eu os convido para prestar uma atenção particular às marcas e evidências de regeneração, enquanto tento expô-las em ordem.  Posso facilmente mencionar outras evidências fora essas que estou a referir.  Mas não o farei.  Prefiro me conter à Primeira Epístola de João, por causa da clareza peculiar de suas sentenças sobre o homem que nasce em Deus.  O que têm ouvidos que escute o que o amado apóstolo tem a dizer sobre as marcas da regeneração.  

(1) Primeiro de tudo, João afirma “Todo o que é nascido de Deus não vive na prática do pecado” e, novamente, “Todo aquele que é nascido de Deus não vive em pecado" (I Jo 3: 9; 5: 18.) 

Um homem regenerado não comete pecado como hábito. Ele já não peca com seu coração e com o desejo, com inclinação, como um homem não regenerado age. Havia provavelmente um tempo em que ele não pensava se suas ações eram pecaminosas ou não, e nunca se sentia aflito depois de fazer o mal. Não houve nenhuma luta entre ele e o pecado, eles eram amigos. Agora ele odeia o pecado, foge dele e luta contra ele, considera-o como a pior praga, geme pela carga de sua presença, lamenta quando cai em sua influência e 
demora para ser libertado disso. Em uma única palavra, o pecado já não o apraz e é até mesmo algo indiferente: tornou-se a coisa mais abominável odiada por ele. Ele não pode preveni-lo de habitar em seu interior. “Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos” (I Jo 1:8), mas ele pode afirmar cordialmente que o odeia e que o maior desejo de sua alma é não cometer pecado algum. Ele não pode prevenir que pensamentos ruins cresçam nele, falhas, omissões e defeitos aparecem tanto em suas palavras quanto ações. Ele sabe, assim como Tiago afirma, que “todos tropeçamos em muitas coisas”. (Tg 3: 2.) Mas ele pode dizer verdadeiramente, à visão de Deus, que tais atos o entristecem e afligem diariamente e que sua natureza não consente com eles, como é o caso do homem não regenerado. 

(2) Segundo, João afirma, “Todo aquele que crê que Jesus é o Cristo, é nascido de Deus”.  (I Jo 5: 1.) 

Um homem regenerado acredita que Jesus Cristo é o único Salvador pelo qual sua alma pode ser perdoada e justificada, que Ele é a Pessoa Divina apontada e consagrada por Deus, o Pai, para esse propósito, e que à parte dEle, não existe nenhum outro Salvador. Em si, o homem não vê nada menos do que desmerecimento, mas em Cristo ele vê um terreno para a mais completa confiança, confiando nEle, ele acredita que todos os seus pecados são perdoados e suas iniquidades são lançadas fora. Ele acredita que pela graça do trabalho de Cristo e morte na cruz, ele é considerado reto à vista de Deus e pode olhar para a morte e o julgamento sem medo. Ele pode ter seus medos e dúvidas. Ele pode dizer algumas vezes que se sente como se não tivesse fé nenhuma. Mas pergunte se ele está disposto a confiar em qualquer coisa que não seja Cristo, e veja o que ele dirá. Pergunte-lhe se ele deixará a esperança na vida eterna à sua própria sorte, suas próprias emendas, suas orações, seu ministro, suas obras na igreja e fora dela, quer seja em parte ou completamente, e veja o que ele lhe responderá. Pergunte-o se ele desistiria de Cristo e colocaria 0 
sua confiança em qualquer outra forma de salvação. Ele diria que apesar de se sentir fraco e pecador, não desistiria de Cristo por nada nesse mundo. Ele diria que encontrou a preciosidade em Cristo, uma idoneidade para sua própria alma em Cristo, que em nenhum outro lugar ele encontrou e, por isso, deve agarrar-se nEle. 

(3) Terceiro, João diz “Se sabeis que Ele é justo, sabeis que todo aquele que pratica a justiça é nascido dEle” (I Jo 2: 29.) 

O homem regenerado é um homem santo. Ele se esforça para viver conforme a vontade de Deus, a fazer as coisas que agradam a Ele e evita as que Ele não gosta. O seu objetivo e desejo é amar a Deus com coração, alma, mente e força e amar o seu próximo como a si mesmo. O seu desejo é continuamente olhar para Cristo como exemplo e como Salvador, e mostrar-se como amigo de Cristo ao fazer tudo o que Ele ordena. Não há dúvidas de que tal homem é imperfeito. Ninguém o falará isso tão rapidamente quanto ele próprio. Ele sofre com a carga da corrupção que habita nele. Ele encontra em si próprio constantemente um princípio pecaminoso guerreando contra a graça e tentando tirar-lhe de perto de Deus. Mas ele não consente com isso, mesmo não podendo prevenir sua presença. 
A média de inclinação e influência de seu caminho é santa, mesmo com todos os atalhos; seus feitos são santos, assim como seus gostos e hábitos, apesar de seus desvios; como um navio lutando contra um vento contrário, o curso normal de sua vida mira uma direção apenas: em direção a Deus e para Deus. E apesar de algumas vezes ele se sentir tão fraco a ponto de questionar se ele é cristão ou não, em seus momentos serenos ele estará geralmente apto a dizer com John Newton “Eu não sou o que deveria ser; não sou o que queria ser, não sou o que espero ser em outro mundo, mas ainda assim sou o que costumava ser, e pela graça de Deus, sou o que sou”13. 

(4) Quarto, João afirma “Nós sabemos que passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos”. (I Jo 3: 14.) 

Um homem regenerado tem um amor especial por todos os verdadeiros discípulos de Cristo. Como o Pai no céu, ele ama todos os homens com amor genuíno, mas tem um amor especial por aqueles que, junto com ele, possuem a mesma mente. Como o seu Senhor e Salvador, ele ama o pior dos pecadores e poderia chorar por eles, mas ele tem uma forma distinta de amor por aqueles que são cristãos. Ele nunca se sente tanto em casa como quando está na companhia destes: ele nunca está tão feliz como quando está entre os santos e a excelência da terra. Alguns podem valorizar o conhecimento ou a inteligência, a agradabilidade, a riqueza ou classes na sociedade em que escolherem. O homem regenerado valoriza a graça. Aqueles que têm mais graça e amam mais a Cristo, são os que ele mais ama. Ele sente como se fossem membros da mesma família, seus irmãos, irmãs, filhos do mesmo Pai. Ele sente como se fossem companheiros de guerra, lutando sob o poder do mesmo capitão e guerreando contra o mesmo inimigo. 
Ele sente como se fossem companheiros de viagem, andando pela mesma estrada, tentados pelas mesmas dificuldades, e breve repousarão juntos no mesmo lar eterno. Eles se entendem. 
Existe uma espécie de camaradagem espiritual entre eles. Eles podem ser muito diferentes um dos outros, tanto em classe social, quanto cargos ou riquezas. O que importa? Eles são os eleitos de Cristo Jesus: eles são os filhos e filhas de Seu Pai. Portanto, não conseguem não se amar. 

(5) Quinto, João afirma “Porque todo o que é nascido de Deus, vence o mundo” (I Jo 5: 4.) 

Um homem regenerado não faz da opinião mundial a sua regra de certo ou errado. Ele não se importa em ir de encontro ao mundo, suas noções e costumes. “O que os homens dirão?” já não é uma pergunta importante para ele. Ele supera o amor do mundo. Ele não encontra prazer no que muitos ao seu redor chamam de felicidade. Ele não desfruta de seus regozijos, eles o cansam, eles aparentam ser vão, inútil, indigno de um ser imortal. Ele supera o medo do mundo.  Ele está contente em fazer muitas coisas que 
vários ao seu redor chamariam de desnecessário, para não dizer algo pior.  Eles o culpam: mas isso não o move. Eles o ridicularizam, mas ele não desiste. Ele ama adorar a Deus mais do que ao homem. Ele teme ofender ao Pai mais do que ofender ao homem. 
Ele sabe o preço. Ele já se posicionou. Para ele não importa mais se será censurado ou não. Seus olhos miram para Ele, que é invisível. É Ele que o homem regenerado está resoluto a seguir não importa onde Ele vá. Talvez seja necessário, durante essa caminhada, separarmo-nos do mundo. O homem regenerado não temerá em fazer isso. Diga-lhe que ele não é como as outras pessoas, que suas visões não são as da sociedade comum, e que ele está fazendo de si mesmo alguém singular e peculiar. Você não o abalará. Ele já não é mais servo da moda e dos costumes. Agradar o mundo é algo secundário para ele. Seu principal objetivo é agradar a Deus. 

(6) Sexto, João afirma “o que de Deus é gerado conserva-se a si mesmo” (I Jo 5: 18.) 

Um homem regenerado é cuidadoso com sua própria alma. Ele se esforça não apenas em se manter longe do pecado, mas também se afasta de tudo o que pode levá-lo a pecar. Ele é cuidadoso com suas 
companhias. Ele sabe que conversas maldosas corrompem o coração e que o mal é muito mais contagioso do que o bem, assim como a doença é mais infecciosa que a saúde. Ele é cuidadoso com a organização do seu tempo: seu principal desejo é desfrutar de seu tempo de forma proveitosa. Ele é cuidadoso com os livros que lê: ele teme que sua mente se envenene com livros nocivos. Ele é cuidadoso com suas amizades: para ele, as pessoas serem bondosas, amigáveis e de boa índole não lhe é suficiente. Tudo isso é muito 
bom, mas eles farão bem a sua alma? Ele é cuidadoso com seus hábitos diários e comportamentais: ele tenta lembrar que seu coração é enganoso, que o mundo é cheio de maldade, que o diabo está sempre trabalhando para causar dano e, portanto, ele deve estar sempre vigiando. Ele deseja viver como um soldado no país inimigo, vestir sua armadura o tempo todo e estar preparado para quando as tentações vierem. Por experiência, ele vê que sua alma está sempre rodeada por inimigos e ele aprende a ser atento, humilde e um homem de oração. 

Tais são as seis grandes marcas da regeneração que Deus nos deu para nosso aprendizado.  Que todos os que chegaram até aqui comigo, leia tudo com atenção e descanse essas palavras no coração.  

 Acredito que foram escritas com o intuito de responder à grande questão dos dias de hoje e prevenir discussões futuras. Mais uma vez, então, peço ao leitor que oberve e considere o que foi escrito. 

Sei que existe uma grande diferença na profundidade e na distinção dessas observações entre aqueles que são “regenerados”.  Em algumas pessoas, elas são lânguidas, fracas e difíceis de serem percebidas.  Você praticamente precisa de um microscópio para entender.  
Em outros elas são arrojadas, afiadas, claras, evidentes e inconfundíveis, de forma que até o que está apressado, correndo, ainda assim consegue ver.  Algumas dessas marcas são mais visíveis em certas pessoas, já outras são mais visíveis em outras.  É muito raro quando todas as marcas se manifestam igualmente numa única alma.  Mas tudo isto estou disposto a conceder.  

Ainda assim, depois de toda concessão, aqui encontramos corajosamente descritas as seis marcas de uma pessoa nascida de novo em Deus.  Aqui estão características positivas expostas por João como partes do caráter de um homem regenerado, tão claramente e distintamente quanto os traços do rosto humano.  Eis um apóstolo inspirado escrevendo uma das últimas epístolas gerais da Igreja de Cristo, dizendo-nos que um homem nascido de Deus não comete pecado, acredita que Jesus é o Cristo, pratica a retidão, ama os 
irmãos, supera o mundo e se guarda. E mais de uma vez na mesma Epístola, quando tais marcas são mencionadas, o apóstolo afirma que os que não possuem essas marcas, não pertencem a Deus. Eu vos peço para que observem isso. 

Agora, o que devemos dizer a essas coisas? O que eles dizem para comprovar o que acreditam, os que defendem a regeneração apenas como uma permissão para privilégios na igreja, isso eu não sei. Eu, 
entretanto, digo audaciosamente que só posso chegar a uma conclusão. Essa conclusão é a de que tais pessoas são regeneradas apenas caso tenham essas seis marcas e que homens e mulheres que não as 
possuem, não são regenerados ou nascidos de novo. Acredito firmemente que essa é a mesma conclusão que o apóstolo gostaria que todos nós chegássemos. 

Eu recomendo o que tenho dito e peço para que meus leitores considerem cada palavra. Não disse nada mais do que a verdade de Deus. Vivemos numa época de grande escuridão quando o assunto é regeneração. Milhares turvam o conselho de Deus ao confundir batismo com regeneração. Estejamos cientes disso. Deixemos os dois assuntos separados em nossa mente. Clareemos nossas visões sobre regeneração para que, dessa forma, estejamos menos propícios aos erros sobre batismo. E quando já estivermos com nossas visões claras, agarremo-las, para que nunca fujam de nós. 

ORE PARA QUE O ESPIRITIO SANTO USE ESSE SERMÃO PARA EDIFICAÇÃO DE MUITOS E SALVAÇÃO DE PECADORES.  

FONTE 
Traduzido de http://www.tracts.ukgo.com/ryle_regeneration.pdf 

6 capitulo do livro KNOTS UNTIED - BEING PLAIN STATEMENTS ON DISPUTED POINTS IN RELIGION, FROM THE STANDPOINT OF AN EVANGELICAL CHURCHMAN 

Tradução: Sara de Cerqueira  
Revisão: Armando Marcos Pinto 
Capa: Victor Silva 

_______________________________________________
Projeto Ryle – Anunciando a verdade Evangélica.  
http://bisporyle.blogspot.com/  

Você tem permissão de livre uso desse material, e é incentivado a distribuí-lo, desde que sem alteração do conteúdo, em parte ou em todo, em qualquer formato: em blogs e sites, ou distribuidores, pede-se somente que cite o site “Projeto Ryle” como fonte, bem como o link do site http://bisporyle.blogspot.com/ Caso você tenha encontrado esse arquivo em sites de downloads de livros, não se preocupe se é legal ou ilegal, nosso material é para livre uso para divulgação de Cristo e do Evangelho, por qualquer meio adquirido, exceto por venda. É vedada a venda desse material.
Reforma Radical






John Piper é um dos ministros e autores cristãos mais proeminentes e atuantes dos dias atuais, atingindo com suas publicações e mensagens milhões de pessoas em todo o mundo. Ele exerce seu ministério pastoral na Bethlehem Baptist Church, em Minneapolis, MN, nos EUA desde 1980.
1 João 3:22–23
Manoel Luiz

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Michael Horton é professor de Apologética e Teologia Sistemática na Westminster Seminary California (EUA). É formado pela Biola University, mestre pelo Westminster Seminary California e obteve seu pós-doutorado pela Universidade de Coventry e Wycliffe Hall, em Oxford. Horton é autor de vários livros, incluindo O Cristão e a Cultura e Face a Face com Deus (CEP).
Manoel Luiz

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John Piper é um dos ministros e autores cristãos mais proeminentes e atuantes dos dias atuais, atingindo com suas publicações e mensagens milhões de pessoas em todo o mundo. Ele exerce seu ministério pastoral na Bethlehem Baptist Church, em Minneapolis, MN, nos EUA desde 1980.

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